APONTAMENTOS SOBRE A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS CORPORAÇÕES COM A PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE E INCLUSÃO
Wendell Ferreira dos Santos*
[*] Membro do NEE. Pesquisador de iniciação científica pelo PROBIC da PUC Minas e do Núcleo Acadêmico de Pesquisa da Faculdade Mineira de Direito na área de Direito Internacional Público.
Imagem: Budapest Black Lives Matter artwork by Péter Szalay. Fonte: The Guardian.
O GEDIJE - Grupo de Estudos em Diversidade e Inclusão nos ambientes Jurídico e Empresarial é um grupo vinculado ao NEE (Núcleo de Estudos Empresariais) da PUC Minas e um de seus intuitos é levantar dados acerca da participação e inserção de pessoas diversas nos ambientes jurídico e empresarial e identificar formas de promover a diversidade e a inclusão em tais ambientes. Nesse sentido, esta publicação, que foi anteriormente discutida pelo grupo, tem por objetivo contemplar essa visão a partir de uma perspectiva acadêmica do Direito Empresarial analisando a Responsabilidade Social das corporações, tema de grande relevância no debate público e acadêmico contemporâneo. Segue abaixo a minha contribuição para o tema.
Para o início deste raciocínio, breves apontamentos devem ser realizados a fim de esclarecer a leitura desse texto. Essa reflexão parte do pressuposto que os entes privados são os verdadeiros motores de mudanças sociais no mundo. Mais especificamente, esse pressuposto é pautado em precedentes históricos a partir do momento em que é realizada uma análise que tem como seu recorte temporal a modernidade. Concisamente explicando, essa tese pode ser dividida em três momentos desde então:
Primeiramente, as Revoluções Burguesas instituíram o Estado Civil, que representa o interesse dos cidadãos. Uma sucessão de eventos posteriores como a intensificação do comércio tornou possível a produção escalonada a partir da Revolução Industrial. Daquele momento em diante, a humanidade nunca mais foi a mesma. O Estado deixou de operar a interesse do Monarca e passou a funcionar no interesse do cidadão, respeitando a vida privada.
Em um segundo momento, sindicatos de trabalhadores organizados e entidades da sociedade civil conquistaram direitos trabalhistas e sociais. A propriedade, o primeiro direito do indivíduo, segundo doutrinas clássicas como, por exemplo, os direitos naturais de John Locke, passa, por sua vez, a atender uma função social. Novamente, o indivíduo e a esfera privada demonstraram serem os propulsores das mudanças sociais.
Em um terceiro momento, instituições supranacionais concretizaram as conquistas de direitos relativos à fraternidade e originaram o multilateralismo. Em um mundo Globalizado, com o fim de resguardar os direitos dos indivíduos, aqui concebidos como direitos humanos, a organização das sociedades que medeiam e regulam conflitos e relações de corporações, indivíduos e Estados, mostra sua importância. Nesse sentido, o primeiro Estado nascido no século XXI, O Timor Leste, se deu graças à mediação das Nações Unidas [1]e com exitoso trabalho do brasileiro Sérgio Vieira de Mello.
Afirmado isso, ressalta-se que a pretensão desse texto não é de anular o papel do Estado no desenvolvimento da sociedade pós moderna, todavia pretende sim, por sua vez, reconhecer o importante papel da esfera privada nesse processo histórico e quais desdobramentos e compromissos foram gerados a partir disso na contemporaneidade.
Reconhecer o papel histórico do âmbito privado nas mudanças sociais e processos históricos é o primeiro passo para compreender o porquê da relevância social das instituições econômicas atualmente. Há uma máxima nas ciências econômicas que afirma que o Estado não produz riqueza, mas sim os particulares. Nesse sentido, é necessário que a sociedade e a academia se dediquem cada vez mais à pesquisa acerca da responsabilidade privada em torno da estratificação da sociedade. Qual deve ser o papel dos agentes econômicos diante de um panorama de tanta desigualdade social? Deve ser entendido que as instituições econômicas têm um dever com a sociedade? Portanto esse reconhecimento disso e a formulação de ações no sentido de corrigir injustiças sociais historicamente estruturadas são necessárias, pois, dessa forma, é possível atender da melhor maneira possível sua função social.
Três valores irradiam de forma principiológica na sociedade contemporânea: Liberdade, Igualdade e Fraternidade em consonância com os resultados da Revolução Francesa. Os três podem ser acompanhados do ponto de vista da evolução da sociedade a partir da própria evolução também dos Direitos Fundamentais[2]. A primeira geração positiva direitos relativos à liberdade, a segunda à igualdade e a terceira à fraternidade. Nesse sentido, o princípio da função social pertence à segunda geração. Dentro dessa perspectiva, esse princípio limita o exercício da liberdade diante do contexto social em que ela está situada. A livre iniciativa existe e como afirmado anteriormente deve ter seu mérito reconhecido. Entretanto é necessário que ela se contextualize dentro do seu papel histórico de motor de mudanças sociais, atendendo ao princípio da função social exercida dentro dos limites demandados pela sociedade atualmente.
A partir do panorama exposto é possível discutir como e por que razão a diversidade e a inclusão devem ser temas contemplados pela iniciativa privada a partir do exercício de sua função social. Contudo, esse não é o único motivo para isso. Estudos recentes demonstram que corporações que investem na diversidade de seu quadro de funcionários aumentam de forma expressiva seus lucros e produtividade (McKinsey, 2018). Em razão disso "uma tomada de consciência dos negócios está em ascensão. Enquanto a justiça social é o ímpeto inicial por trás desses esforços, as empresas têm gradativamente começado a considerar inclusão e diversidade como formas de vantagem competitiva, e especificamente uma chave de crescimento” (McKinsey Company, 2018. Tradução do autor[3]). Nesse sentido, ações como o “Pacto Global” da ONU indicam um compromisso corporativo na redução de desigualdades como, por exemplo, na erradicação da pobreza e igualdade de gênero. Empresas responsáveis comungam dos mesmos valores e princípios onde quer que estejam, e sabem que boas práticas em uma área não prejudicam em outra (ONU, 2021.tradução do autor[4].). É concebido, portanto, um entendimento que a promoção de intervenções administrativas em função da promoção da Igualdade, Diversidade e demais compromissos sociais são um incentivo para a própria sustentabilidade corporativa. É notável nos últimos anos um esforço evidente do mundo corporativo em trabalhar esse tema. Contudo, ainda há muito a ser feito já que a maior parte das empresas brasileiras não realizam ações afirmativas ou possuem atividades muito superficiais e pouco efetivas relativas ao tema (Ethos, 2016). Cabe, portanto, às instituições econômicas assumirem esse compromisso de benefício mútuo para a sociedade, que é baseado em um dever histórico de condução das mudanças sociais inerentes à própria natureza da iniciativa privada.
[1] A atuação do Brasil e da ONU no processo de independência, pacificação e (re)construção do Timor-Leste. DOI: 10.15175/1984-2503-201911207.
[2]AS TRÊS PRIMEIRAS DIMENSÕES DE DIREITOS: LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE? Quanto ao número de dimensões de direitos e o seu conteúdo, é possível extrair do texto de Tushnet a sua substancial adesão à proposição clássica de Karel Vasak, ou seja, de que existem apenas três, representadas, respectivamente, pelos direitos de matriz liberalburguesa, as liberdades e garantias civis e políticas, a segunda dimensão representada pelos direitos econômicos e sociais de caráter eminentemente positivo (prestacional) e voltados à garantia de determinados padrões de segurança social e igualdade e material a exigir determinados níveis de intervenção estatal no domínio do mercado e da economia, bem como uma terceira dimensão, composta – segundo o ator - por direitos culturais e de linguagem e mais recentemente os direitos ambientais. (Sarlet, 2016)
[3]“a awareness of the business case for inclusion and diversity is on the rise. While social justice typically is the initial impetus behind these efforts, companies have increasingly begun to regard inclusion and diversity as a source of competitive advantage, and specifically as a key enabler of growth”(McKinsey Company, 2018).
Referências
ONU – Organização das Nações Unidas. The Ten Principles of the UM Global Compact.Disponível em: https://www.unglobalcompact.org/what-is-gc/mission/principles. Acesso em: Fev. 2021.
McKinsey&Company. Delivering through Diversity. 2018. Disponível em:
https://www.mckinsey.com/business-functions/organization/our-insights/delivering-through-diversity. Acesso em: Fev. 2021.
Instituto Ethos. PERFIL SOCIAL, RACIAL E DE GÊNERO DAS 500 MAIORES EMPRESAS DO BRASIL E SUAS AÇÕES AFIRMATIVA. 2016, disponível em: https://www.ethos.org.br/cedoc/perfil-social-racial-e-de-genero-das-500-maiores-empresas-do-brasil-e-suas-acoes-afirmativas/. Acesso em: Mar 2021.
SARLET, Ingo Wolfgang. MARK TUSHNET E AS ASSIM CHAMADAS DIMENSÕES (“GERAÇÕES”) DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS: BREVES NOTAS. JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 2 (2016) 499-516 Revista Estudos Institucionais, Vol. 2, 2, 2016.
COSTA, Fabricio Veiga; CAMPOS, Alisson Thiago de Assis; JUNIOR, Sérgio Luiz Milagre. A atuação do Brasil e da ONU no processo de independência, pacificação e (re)construção do Timor-Leste. Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica Rio de Janeiro: vol. 11, no 2, maio-agosto, 2019, p. 283-303. DOI: 10.15175/1984-2503-201911207.