top of page

CONSTITUIÇÃO, MULHERES E ÉTICA EMPRESARIAL

20/04/2021 - Vanessa Araújo Sá*
*Graduanda em Direito (PUC MINAS) - 6° Período

empresarial.jpg

Toda pessoa que abrir um manual de Direito Constitucional vai se deparar com a afirmação de que depois do Estado Liberal e Social, finalmente estamos vivendo sob a égide do Estado Democrático de Direito. Este novo paradigma, por assim dizer, inova ao englobar além dos direitos de primeira e segunda geração, princípios e normas que versam sobre a proteção de minorias sociais. Por outro lado, mesmo com este (NEO) constitucionalismo, estas regras respaldadas nos direitos humanos, muitas vezes comportam apenas o simbolismo, já que na prática a desigualdade e a exclusão social ainda se fazem presentes.

Na questão de gênero, por exemplo, se abordarmos apenas aspectos formais podemos dizer que não existe discriminação. A “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher” (CEDAW) de 1979, promulgada pelo Decreto n. 4.377 de 2002, expõe que é dever dos países ratificar o princípio da igualdade entre homens e mulheres em sua constituição e em legislações apropriadas. Diante disso, pode-se observar a preocupação do constituinte originário ao expor, claramente, no primeiro inciso do art. 5º da Constituição de 1988, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, contribuindo para explanar a CEDAW. Ademais, a respectiva convenção descreve no seu art. 11 que é responsabilidade do Estado eliminar a segregação nos ambientes profissionais, considerando que o trabalho é um direito inalienável do ser humano, por isso homens e mulheres devem ter direito às mesmas oportunidades de emprego, além de direito a igual remuneração.

Neste sentido, o e-book “Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas” publicado pelo Instituto Ethos em 2016, traz dados sobre as caraterísticas dos funcionários das maiores empresas do país, mostrando como apenas Leis não são suficientes para eliminar a discriminação de gênero. Aqui, existem dados confirmando que as mulheres apesar de serem a maioria da população, além de estudarem em média quatro anos a mais que os homens, representam apenas 13,6% do quadro executivo das organizações pesquisadas. Em compensação, nos cargos de aprendizes, trainees e estagiários as mulheres participam de aproximadamente 55% do quadro geral de contratados (ETHOS, 2016), o que nos leva à pergunta: existe um motivo para as mulheres não conseguirem chegar aos cargos de gestão?

Bem, na realidade existem vários motivos, mas vamos focar predominantemente nos preconceitos que estão enraizados na sociedade, de forma que é entendido que os homens, por serem os provedores da família, merecem cargos e salários superiores em relação às mulheres. As mulheres, entretanto, como “boas donas de casa” recebem oportunidades que apenas expandem seus serviços domésticos não condizendo com sua formação. O que podemos perceber, portanto, é a existência de um teto de vidro, ou seja, algo que não é aparentemente visível, mas que está lá, dificultando a entrada de certas pessoas a cargos hierarquicamente superiores. Além disso, é constatado que significativas parcelas das organizações pesquisadas não possuem medidas para incentivar a promoção das mulheres e outras minorias sociais, de maneira que são perpetuadas as situações discriminatórias apresentadas (ETHOS, 2016).

Assim, considerando estes aspectos, a mulher dificilmente consegue ultrapassar este teto de vidro, pois as discriminações sexistas estruturaram a sociedade dando a mulher um papel predeterminado. Desse modo, a figura feminina não está associada a ter realizações profissionais, fazendo com que a mulher perca parte de dignidade, que é um princípio constitucional e integrador de todo o sistema jurídico.

Partindo destas colocações, não é o objetivo deste texto anular a importância dos dispositivos legais anteriormente apresentados, mas de incorporá-los à iniciativa privada. Desse modo, sendo a Constituição Federal de 1988 o guia interpretativo de todo o ordenamento jurídico, os seus princípios não estão limitados à formulação e à aplicação das leis (LENZA, 2020), podendo também estar presentes nos códigos de conduta e ética das empresas. Consequentemente, isso não quer dizer que o Estado suprimiria a iniciativa privada, pelo contrário, de acordo com o art. 170, III, da Constituição as empresas têm uma função social, isto é, devem também garantir os princípios constitucionais da igualdade e dignidade da pessoa humana com o objetivo de gerar melhores condições de vida.

Dessa maneira, é necessário analisar o que seria a ética empresarial e quais seriam suas implicações. Em um contexto geral, ética pode ser definida como “a ciência da reta ordenação dos atos humanos desde os últimos princípios da razão. Estamos, portanto, diante de uma ciência prática, que trata de atos práticos” (FIGUEIREDO, 2008, p. 4). Em outras palavras, ética pode ser conceituada como um conjunto de regras que regem o comportamento humano definindo-os como certos ou errados. Assim, falar em código de ética de uma empresa é falar na “construção institucional voltada para a criação de ações pautada em políticas claras que busquem evitar ou impedir comportamento de segregação” (SANTOS, 2014, p. 103).

Nesta sequência, o código de ética que busque a eliminação das discriminações causadas pelo gênero, deve estar pronto para analisar o contexto social no qual está inserido, para ser possível criar mecanismos que propiciem futuros programas de serem efetivamente organizados e praticados. Assim, nossa preocupação é ir além do formalismo jurídico, buscando entender e mudar a realidade empresarial.

Em vista disso, ao discutir sobre um código de ética respaldado em princípios constitucionais devemos pensar na promoção das ações afirmativas, que, ao contrário do que muitos pensam, não se limitam às cotas raciais para entrar nas universidades. As ações afirmativas são políticas criadas para a inserção de pessoas socialmente excluídas, podendo estar associadas às seguintes atitudes: programas que promovam metas para reduzir a diferença de salários; bolsas de estudos que qualifiquem os funcionários; capacitação dos gestores no tema de diversidade, inclusão e direitos humanos; além de realizarem censos e canais de reclamação, como exemplos de boas iniciativas para as empresas se embasarem.

Logo, tudo isso se pode resumir no ideal aristotélico de que os iguais devem ser tratados forma igual e os desiguais devem ser tratados de forma a minimizar essas desigualdades (SANTOS, 2014). Diante disso, as empresas ao implementarem estes princípios devem ter programado um caminho pelo qual seguir, mostrando quais resultados buscam, dialogando continuamente com a comunidade e almejando sempre colocar em prática estes ideais. Já temos uma constituição cidadã cheia de direitos que promovem a inclusão social. Apesar de já ter mais de 30 anos de sua promulgação, suas regras sempre foram analisadas como sendo voltadas para o futuro. É hora de concretizá-las no presente.


REFERÊNCIAS


BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:  Presidência da República, 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 8 mar. 2021.


ETHOS. Perfil social, racial e de gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas. Disponível em: https://www.ethos.org.br/wpcontent/uploads/2016/05/Perfil_Social_Tacial_Genero_500empresas.pdf. Acesso em: 22 fev. 2021.


FIGUEIREDO, Antônio Macena. Ética: origens e distinção da moral. Saúde, Ética & Justiça, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 1-9, 2008. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/sej/article/view/44359/47980. Acesso em: 8 mar. 2021.


LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.




ONU. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher. Disponível em: https://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2013/03/convencao_cedaw.pdf . Acesso em: 16 abr. 2021.


SANTOS, Fernando de Almeida. Ética empresarial: política de responsabilidade social em 5 dimensões: sustentabilidade, respeito à multicultura, aprendizado contínuo, inovação, governança corporativa. São Paulo: Atlas, 2014.

bottom of page