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DIVERSIDADE E INCLUSÃO NOS AMBIENTES JURÍDICOS E CORPORATIVOS
06/04/2021 - Kalki Zumbo Coronel Guevara*
· Esta publicação inaugura no blog a postagem de uma série de artigos escritos pelos membros do GEDIJE e pautados semanalmente nas reuniões do grupo.
*Especialista em Direito Internacional Público e Privado (Faculdade Milton Campos/CEDIN); Bacharel em Relações Internacionais (Uni-BH); e, graduando em Direito (PUC Minas) – 7° Período.
Apresento breve relato a respeito da percepção de como se encontram estruturadas as esferas jurídicas e corporativas no mercado de trabalho brasileiro, especificamente sobre o tema da inclusão (ou falta dela) de pessoas diversas nos ambientes mencionados.
Entendo por pessoas diversas todas aquelas que, de alguma maneira, seja pela tonalidade da cor da pele, raça, orientação sexual, religião, origem, deficiência, ou históricos tidos como pejorativos pela sociedade - egressos do sistema penitenciário, proveniente de periferias, entre outros -, acabam não conseguindo participar de modo significativo das posições de comando de uma empresa, nem tampouco ocupar funções de destaque em ambientes jurídicos, mesmo sendo possuidores de capacidades mentais, intelectuais, físicas e técnicas para o desenvolvimento de tais atribuições.
No Brasil, apesar da população autodeclarada parda ou negra constituir a maioria da população brasileira (mais de 55% do total), ao serem analisados aspectos de inclusão e renda no mercado de trabalho, percebeu-se uma enorme discrepância e desigualdade representativa, além do valor pago em salário ser muito inferior, quando comparados aos mesmos cargos ocupados pela população branca[1].
O mesmo ocorre em relação aos cargos ocupados por mulheres no ambiente de trabalho. Com bem salientou o advogado João Grandino Rodas, um dos pioneiros na institucionalização de departamentos jurídicos empresariais no Brasil, em entrevista concedida ao site Conjur em 2020, “(...) na década de 1970 todos os departamentos jurídicos corporativos do país eram ocupados por homens”[2].
Situações similares de exclusão no ambiente corporativo e jurídico são enfrentados diariamente pela população LGBTQI+ e indígenas – no caso dos indígenas não há sequer dados, em função do baixo número de indivíduos ainda vivos no país.[3]
Frente a esta realidade, seria incoerente uma análise da conjuntura política, econômica e social presente no Brasil, sem se levar em consideração o processo histórico de formação do Estado e de seu povo[4], que, dentre outras coisas, passou por um período de colonização, aculturação e dizimação dos povos indígenas; tutela e legalização estatal por mais de 300 anos da prática da escravidão do povo negro e africano[5]; e o tardio reconhecimento e extensão de direitos fundamentais também às mulheres, como o direito ao voto[6], ao trabalho digno e à conquista de independência financeira.
Estes são apenas alguns exemplos de acontecimentos lamentáveis que produzem efeitos negativos até hoje. Isso explica em grande medida as enormes desigualdades e segregações de parcelas da população brasileira, preconceitos e a presença de uma sociedade extremamente patriarcal.
A recente e frágil ordem democrática institucionalizada no país, com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, inaugurou o Estado Democrático de Direito, que, além da soberania nacional, possui como fundamentos, em seu artigo 1°, “a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político”.
Também são elencados na CRFB/88, em seu “Titulo II”, os Direitos e Garantias Fundamentais à pessoa humana, merecendo destaque o caput do artigo 5°, que versa sobre os direitos e deveres individuais e coletivos: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade privada (...)”
No mesmo sentido, o inciso I, do artigo 5° da CRFB/88 diz que: “I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.”
Em relação à ordem econômica e financeira, o artigo 170 da CRFB/88 determina quais são os princípios gerais da atividade econômica da seguinte forma:
“Art. 170: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I- soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; VII – redução das desigualdades regionais (...).”
Mesmo havendo um esforço em determinar os valores, garantias e direitos fundamentais por parte da CRFB/88 perante a sociedade brasileira, percebe-se que, na prática, há uma carência enorme de políticas públicas por parte do Estado brasileiro em relação à inclusão de pessoas diversas no mercado de trabalho, resultante também da má gestão, incompetência governamental, falta de critérios ou estrutura precária do Estado e suas instituições.
Neste contexto, é fundamental a participação ampla da iniciativa privada no processo de desenvolvimento econômico, social e político (dignidade da pessoa humana), uma vez que é através da livre iniciativa econômica que se alcançam as condições mais justas e dignas de vida para a população como um todo. É por meio da circulação de riquezas, produção de bens e prestação de serviços, com condições dignas de emprego (cidadania), que as empresas atuantes no país estão a colaborar com os objetivos previstos na CRFB/88, em seu artigo 3°: “I- construir uma sociedade livre, justa e solidária; II- garantir o desenvolvimento nacional e, II- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (...).”
Para tanto, a empresa ou empreendimento de iniciativa privada deverá cumprir sua função social, respeitando os limites legais e atuando de maneira ativa na disseminação de seus valores, de maneira inclusiva e participativa nas diversas esferas sociais, sem perder de vista sua finalidade econômica.
Contudo, quando o tema é a inclusão de pessoas diversas nos ambientes jurídicos e corporativos, percebe-se um engajamento bastante tímido a este respeito. Neste sentido, é crucial que o setor privado, tome consciência da importância de sua participação neste processo, abrindo espaço para a devida recepção da diversidade, bem como assumir um papel de protagonista no desenvolvimento de políticas pro-inclusão e assim poder contribuir para a consolidação de uma sociedade mais justa, solidária e democrática.
Destaca-se, neste sentido, a política global em torno dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS – ONU), por serem metas convencionadas entre diversas entidades (Estados, corporações multinacionais/empresas e representantes da sociedade civil) e que se destinam ao Brasil e ao mundo, os quais merecem atenção e receptividade por parte do Estado, sociedade e mercado de trabalho (ONU, 2012). Dentre os 17 objetivos globais listados pela ONU, destacam-se os de número: “1- Erradicação da pobreza; 4- Educação de qualidade; 5- Igualdade de gênero; 8- Trabalho descente e crescimento econômico; 10- Redução das desigualdades; e, 17- Parcerias e meios de implantação.”[7]
Para que a inclusão da diversidade de fato aconteça e não fique apenas no discurso, serão necessários esforços em conjunto e coordenados por parte de todos os envolvidos neste processo, trabalhando com a conscientização, capacitação e promoção de políticas inclusivas e participativas nos diversos setores da sociedade.
Por fim, mas não menos importante, outro fato que merece nossa atenção é o processo de automatização e modernização (Inteligência Artificial) que está ocorrendo e sendo gradualmente incorporado na prática da atividade jurídica no país. Por um lado, a robotização de atividades e procedimentos jurídicos traz celeridade nas demandas do setor, mostrando-se, em alguns casos, muito mais eficientes[8] em solucionar questões do que quando analisados por humanos. Por outro, aumentam as distâncias e a seletividade de participação das pessoas nestes ambientes, além de dificultar a inserção de pessoas diversas no meio jurídico. Isso acontece em função do alto grau de informações técnicas e capacitações que a Inteligência Artificial exige para ser operacionalizada, substituindo o exercício da atuação humana por máquinas ou softwares especializados.
Assim sendo, acredito ser um compromisso com a democracia e cidadania em nosso país buscar atuar de maneira ativa e colaborativa para a diminuição das barreiras existentes e a promoção de atividades que visem o processo de inclusão de pessoas diversas no mercado de trabalho, tanto nos ambientes corporativos como nos ambientes jurídicos.
[1] IBGE, 2019. Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. In: Estudo e Pesquisa. Informações Demográfica e Socioeconômica - n°41. Acesso em 22/03/2021. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf>.
[2] RODAS, João Grandino. Inclusão & Diversidade no mercado jurídico. CONJUR. 12 de março de 2020. Acesso em 22/03/2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mar-12/olhar-economico-inclusao-diversidade-mercado-juridico.
[3] IBGE, 2019, loc. cit.
[4] RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro. São Paulo: Companhia de Bolso, 2006.
[5] Estima-se que a escravidão de negros no Brasil teve início em meados do século XVI, sendo abolida com a Lei Áurea em 1888. (FELINTO, Marilene. A escravidão no Brasil durou 300 anos. Folha de São Paulo. 12 de maio de 1995. Acesso em 22/03/2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/5/12/folhinha/4.html).
[6] Informação retirada do site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): “Somente em 24 de fevereiro de 1932, o Código Eleitoral passou a assegurar o voto feminino; todavia, esse direito era concedido apenas a mulheres casadas, com autorização dos maridos, e para viúvas com renda própria. Essas limitações deixaram de existir apenas em 1934, quando o voto feminino passou a ser previsto na Constituição Federal.” (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Dia da conquista do voto feminino no Brasil é comemorado nesta segunda. Acesso em 22/03/2021. Disponível em: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Fevereiro/dia-da-conquista-do-voto-feminino-no-brasil-e-comemorado-nesta-segunda-24-1).
[7] ONU, Brasil. Metas e Objetivos Globais da ONU. Acesso em 22/03/2021. Disponível em: https://brasil.un.org/.
[8] CARDOSO, Maurício. VASCONCELLOS, Marcos de. Com robôs, escritório atua em mais de 360 mil processos com 420 advogados. CONJUR. Acesso em 22/03/2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-mar-05/robos-escritorio-atua-360-mil-processos-420-advogados
Referências
CARDOSO, Maurício. VASCONCELLOS, Marcos de. Com robôs, escritório atua em mais de 360 mil processos com 420 advogados. Acesso em 22/03/2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-mar-05/robos-escritorio-atua-360-mil-processos-420-advogados.
Folha de São Paulo. A Escravidão no Brasil durou 300 anos. Acesso em 22/03/2021. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/5/12/folhinha/4.html.
IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA ESTATISTICA, 2019. Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. In: Estudo e Pesquisa. Informações Demográfica e Socioeconômica. N° 41, ISBN 978-85-240-4513-4. Acesso em 22/03/2021. Disponível em: liv101681_informativo.pdf (ibge.gov.br).
ONU Brasil – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Metas e Objetivos Globais da ONU. Acesso em 22/03/2021. Disponível em: As Nações Unidas no Brasil.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia de Bolso, 2006.
RODAS, João Grandino. Inclusão & Diversidade no mercado jurídico. CONJUR. 12 de março de 2020. Acesso em 22/03/2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mar-12/olhar-economico-inclusao-diversidade-mercado-juridico.
TSE – TRIBUNAL SUPERIOR ELETORAL. Sobre o voto feminino no Brasil. Acesso em 22/03/2021. Disponível em: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Fevereiro/dia-da-conquista-do-voto-feminino-no-brasil-e-comemorado-nesta-segunda-24-1.
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