O PROCEDIMENTO DE MEDIAÇÃO EMPRESARIAL NA LEI Nº 14.112/20
01 de maio de 2021
Recentemente, no Brasil, houve significativa alteração quanto à Lei de Falências e Recuperações de Empresas, consolidando práticas que já estavam sendo utilizadas e incentivadas pelos tribunais, com o objetivo de tornar os procedimentos mais rápidos e eficientes, utilizando a mediação e a conciliação.
Destarte, tanto a mediação quanto a conciliação são classificadas como métodos autocompositivos de resolução de conflitos, cuja utilização tem sido estudada desde meados do século passado. Porém, sua regulamentação foi realizada pela primeira vez somente em 29/11/2010, via Resolução nº 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), iniciando um ciclo de incentivos sem fim aparente.
Cinco anos após tal resolução, foi promulgada a Lei nº 13.140/2015, conhecida como “Marco Legal da Mediação”, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e a autocomposição de conflitos na administração pública, estabelecendo tanto princípios orientadores, quanto diretrizes para o procedimento, considerando a mediação como “meio de solução de controvérsias entre particulares a respeito de direitos patrimoniais disponíveis e indisponíveis, que admitam transação, e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública”. (REIS, 2020)
Tais métodos autocompositivos, receberam ainda outro impulso em 2015, com a implementação do “Novo Código de Processo Civil” (Lei nº 13.105/2015), que estabeleceu a obrigatoriedade de estímulo à mediação, conciliação e quaisquer outros métodos de solução consensual de conflitos por parte dos profissionais do Direito (juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público), inclusive no curso do processo judicial, conforme o art. 3º, §3º, da Lei nº 13.105/2015.
Contudo, em nada dispôs sobre a utilização destes métodos em procedimentos de recuperação de empresas ou em processos falimentares, restando à jurisprudência e, posteriormente, a uma modificação na Lei Falimentar, que passou a regular sua aplicação.
Popularmente conhecida como “a nova Lei de Falências”, a Lei nº 14.112/2020 entrou em vigor no dia 23/01/2021 e trouxe consigo várias atualizações necessárias à Lei nº 11.101/05, a qual “regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária” (Lei nº 11.101/05).
Dentre as atualizações, salienta-se o incentivo aos métodos autocompositivos de resolução de conflitos, que estão caminhando a passos largos no Brasil, galgando cada vez mais espaço na solução das desavenças privadas. Tal incentivo pode ser notado mais claramente na Seção II-A da nova Lei Falimentar, que dispõe a respeito “Das Conciliações e das Mediações Antecedentes ou Incidentais aos Processos de Recuperação Judicial”.
Contudo, é necessário mencionar que, mesmo antes de tais mudanças, o Judiciário brasileiro já encontrava em tais métodos, mais especificamente na mediação e na conciliação, um grande aliado na solução das lides entre credores e devedores na recuperação judicial, reconhecendo, inclusive, seus inúmeros benefícios na resolução de conflitos empresariais. Neste sentido, em setembro de 2016, o STJ proferiu a inédita decisão de encaminhar o conflito entre acionistas em um processo de recuperação judicial para a mediação[1] (o pedido foi feito pelo MP-RJ, e o processo encaminhado à 7ª Vara Empresarial), o caso em questão é o do grupo “Oi”, antiga “Telemar”.
A aludida decisão foi alvo de controvérsias, dentre elas, o questionamento por uma ordem da CAM B3 (Câmara de Arbitragem do Mercado) convocando assembleias gerais extraordinárias, pois o STJ decidiu favoravelmente ao pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro em encaminhar o conflito entre os acionistas da “Oi” para a mediação, o que até mesmo suspendeu tais assembleias que haviam sido convocadas pela Câmara, estabelecendo então a 7ª Vara como competente para o juízo da recuperação judicial, o que foi confirmado na decisão liminar do Min. Marco Aurélio Buzzi.
O caso em questão, foi revolucionário em muitos aspectos, visto que, além de ser o primeiro caso brasileiro de mediação no âmbito falimentar, ele se tornou a maior recuperação judicial da América Latina, envolvendo 55.080 credores e uma dívida de R$ 63,95 bilhões [2].
Atualmente, estima-se que as negociações realizadas por meio da mediação resultaram em vários acordos, atendendo mais de 12 (doze) mil credores apenas em 2017 [3]. Além disso, considerando o cenário pandêmico, as sessões de mediação são regularmente realizadas virtualmente por meio da Plataforma online de Solução de Conflitos da FGV, contando com a atuação de 200 mediadores credenciados[4].
O Desembargador César Cury afirmou que, caso esse procedimento tramitasse pela via da Justiça Comum, acabaria impactando todo o Judiciário brasileiro. Por outro lado, “a mediação extrajudicial permite que os credores interessados recebam valores de até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), negociados com rapidez e simplicidade, sem a necessidade de participação no processo judicial, com economia de tempo e de recursos para todos os envolvidos, inclusive a companhia” (CURY, 2017).
Outro caso marcante que fortaleceu os métodos autocompositivos em recuperações judiciais antes da Lei nº 14.112/20 entrar em vigor, envolveu a rede de livrarias “Saraiva e Siciliano” na 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo que, por sua vez, teve uma maior iniciativa em prol da mediação, ressaltando o principal objetivo do procedimento: “a aproximação das partes e evolução da comunicação entre elas desde a fase de verificação de crédito até a realização da assembleia”, conforme ponderou o administrador judicial RV3 Consultores[5].
Outrossim, o juiz Paulo Furtado, da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais, fez uma declaração também muito proveitosa ao jornal Valor Econômico[6], na qual ressaltou que a expectativa com a mediação é que ela melhore todo o planejamento, tanto de pagamento, quanto de relacionamento entre as partes, facilitando a aprovação em assembleias gerais e evitando futuros conflitos oriundos do acordo. Nesse sentido ressaltou o magistrado que “fazer com que o credor e o devedor consigam conversar e chegar a uma solução consensual é muito melhor do que o Juiz ter que decidir de forma impositiva.
Nota-se que mesmo antes da reforma da Lei nº 11.101/05, já existia grande interesse dos juristas por este método autocompositivo de resolução de conflitos, devido sua eficiência, celeridade, menor burocracia, melhores resultados para as partes, entre outros benefícios, de forma que a mediação vem conquistando ainda mais espaço nos procedimentos de recuperação das empresas brasileiras.
Ademais, o Ministro Marco Buzzi defendeu, em palestra realizada em 15/10/2019[7], que houvesse maior iniciativa para adoção de métodos extrajudiciais para resolução de conflitos, pois a Justiça estatal tem dificuldade de resolver todas as lides levadas até ela, visto que o Judiciário encontra-se sobrecarregado com as demandas já existentes. Segundo o Ministro, “não há outro caminho melhor, mais barato, mais eficiente e mais factível do que a mediação como uma forma de aportar socorro ao Judiciário que aí está. Porque o brasileiro tem mania de jurisdicionalizar tudo”, finalizando.
Quanto ao pronunciamento do Ministro Marco Buzzi, vale evidenciar que, por mais que os métodos autocompositivos de resolução de conflitos possam servir de aporte ao Judiciário estatal ao dirimir conflitos, seus benefícios vão muito além disto, preservando - ou até mesmo intensificando - laços pessoais e comerciais entre os gestores e empresas, por meio de uma negociação facilitada por terceiro, possibilitando que impasses sejam vencidos/solucionados e melhores acordos sejam formados com celeridade e sigilo.
Naquela ocasião, ainda, o Ministro Luis Felipe Salomão defendeu a importância da reforma da Lei Falimentar, com o objetivo de melhorar o processo e seus resultados, formalizando o que já estava sendo consolidado pela jurisprudência, como a forte recomendação à utilização da mediação.
Ressalta-se que o Projeto defendido pelo Ministro Luis Felipe Salomão em 2019, atualmente corresponde à mencionada Lei nº 14.112/20, que já se encontra em vigor, prevendo expressamente a utilização dos métodos de Conciliação e Mediação nas recuperações judiciais, positivando, por meio do art. 20-A, que tais métodos devem ser incentivados em qualquer grau de jurisdição, até mesmo no âmbito de recursos em segundo grau e nos tribunais superiores.
Outrossim, a nova Lei permite que as conciliações e mediações sejam admitidas não somente incidentalmente, como também antecipadamente, podendo ser instauradas em caráter preventivo, antes mesmo do processamento do pedido de Recuperação Judicial. Há, no entanto, duas proibições quanto ao uso desses métodos extrajudiciais (visto que os incisos do art. 20-B são apenas exemplificativos), quais sejam: “sobre a natureza jurídica e a classificação de créditos”, bem como sobre “critérios de votação em assembleia-geral de credores” (parágrafo 2º do art. 20-B).
Além dessas louváveis incrementações, há a previsão das audiências acontecerem também pelo meio virtual, como no caso do grupo “Oi S/A”, desde que os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) ou a câmara privada escolhida possua os meios adequados para sua realização, assim como a realização de um acordo entre as partes autorizando que as audiências ocorram virtualmente, devendo o juiz homologá-lo para que se torne exequível.
Conforme demonstrado ao longo do texto, a mediação em recuperação de empresas é incentivada não pela reforma da Lei Falimentar, mas também por Ministros do STJ, vários doutrinadores e advogados, como a Dra. Andressa Garcia (Mestre em Direito Privado pela UFRGS), o Dr. Daniel Martins (Mestre em Direito pela PUC-SP) e o Dr. Daniel Neves (Doutor em Direito Processual pela USP), que possuem diversas publicações nesse âmbito e foram utilizadas de base para esse artigo.
Nota-se, por fim, que tal avanço da mediação em recuperações de empresas não ocorre isoladamente no Brasil. Trata-se de um movimento global, que já tornou possível o uso da mediação tanto na União Europeia, como nos EUA e no Canadá, fato que não se deve apenas aos benefícios discorridos previamente. Como indicado pelo Juiz James M. Peck, em seu discurso no seminário “Mediation in International Insolvency”[8], o aumento do uso da mediação em disputas de insolvência no âmbito mundial ocorre devido à complexidade que estes processos estão ganhando, com novos protagonistas, como: stakeholders, investment bankings, acionistas, sindicatos, diretores, entre outros.
Tais novos protagonistas são considerados pelo magistrado como players bem financiados, sofisticados e tenazes, o que levou ao aumento acentuado na disposição e capacidade das partes para debater sobre seus direitos e realizar avaliações legais da disputa, tornando a mediação muito mais eficaz para resolução de conflitos e que deve crescer ainda mais, expandindo-se para os conflitos domésticos, internacionais e transfronteiriços.
Transformando, assim, a mediação e a conciliação em grandes pilares para a resolução de conflitos, não somente os mais simples, mas também os mais complexos casos. Devido à sua eficiência, rapidez e sigilo, ela vem sendo utilizada cada vez mais no âmbito empresarial e nas demandas envolvendo recuperações empresariais e processos falimentares.
[1] STJ determina mediação no processo de recuperação judicial da operadora Oi. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-set-07/stj-determina-mediacao-processo-recuperacao-judicial-oi>
[2] TJRJ diz que mediação extrajudicial da Oi atenderá cerca de 20 mil credores. Disponível em:
<https://bit.ly/3eJZO4k>
[3] NASCIMENTO, Luciano. Credores de até R$ 50 mil com a Oi têm até o dia 19 para se cadastrar. Disponível em:
<https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-10/credores-de-ate-r-50-mil-com-oi-tem-ate-o-dia-19-para-se-cadastrar>
[4] Caso Oi: mediação extrajudicial com cerca de 20 mil credores começa nessa sexta-feira no Rio. Disponível em:
<https://tj-rj.jusbrasil.com.br/noticias/471222140/caso-oi-mediacao-extrajudicial-com-cerca-de-20-mil-credores-comeca-nessa-sexta-feira-no-rio>
[5] LONGO, Samantha M. O fortalecimento da mediação nas recuperações judiciais. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-fortalecimento-da-mediacao-nas-recuperacoes-judiciais>
[6] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. TJSP na Mídia: Valor Econômico publica matéria sobre uso da mediação em recuperações judiciais. Disponível em:
<https://tj-sp.jusbrasil.com.br/noticias/667092212/tjsp-na-midia-valor-economico-publica-materia-sobre-uso-da-mediacao-em-recuperacoes-judiciais>
[7] INSTITUTO PARA REFORMA DAS RELAÇÕES ENTRE ESTADO E EMPRESA. Visão do Supremo Tribunal de Justiça sobre recuperação judicial. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2020-jan-09/entenda-visao-stj-recuperacao-judicial>
[8] DASAN, Kayjal; SEOW, Samuel. Mediation in International Insolvency Disputes. Disponível em: <http://www.internationalarbitrationasia.com/mediation_in_international_insolvency_disputes>
Referências bibliográficas
GARCIA, Andressa. A mediação e a conciliação na nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-mar-13/garcia-mediacao-conciliacao-lei-falencias>
DASAN, Kayjal; SEOW, Samuel. Mediation in International Insolvency Disputes. Disponível em: <http://www.internationalarbitrationasia.com/mediation_in_international_insolvency_disputes>
MARTINS, Danilo R. M. A mediação é um instrumento para otimizar o processo de recuperação judicial. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-set-11/danilo-martins-mediacao-recuperacao-judicial>
FERNANDES, Sônia C. A mediação empresarial no novo sistema de recuperação judicial de empresas implementado pela lei 14.112/20. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/340921/mediacao-empresarial-no-sistema-de-recuperacao-judicial-de-empresas>
LONGO, Samantha M. O fortalecimento da mediação nas recuperações judiciais. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-fortalecimento-da-mediacao-nas-recuperacoes-judiciais>
STJ determina mediação no processo de recuperação judicial da operadora Oi. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-set-07/stj-determina-mediacao-processo-recuperacao-judicial-oi>
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FARIA, Letícia S; ALMEIDA, Rodrigo L. A nova lei de falências e os métodos alternativos de resolução. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/340603/a-nova-lei-de-falencias-e-os-metodos-alternativos-de-resolucao>
STEFFEK, Felix. Mediation in the European Union: An Introduction. Inglaterra: Cambridge, 2012.
Entenda a visão do Superior Tribunal de Justiça sobre recuperação judicial. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2020-jan-09/entenda-visao-stj-recuperacao-judicial>
BRASIL. Lei n.° 14.112, de 24 de dezembro de 2020. Altera as Leis n os 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, 10.522, de 19 de julho de 2002, e 8.929, de 22 de agosto de 1994, para atualizar a legislação referente à recuperação judicial, à recuperação extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Edição Extra n. 58-D, p. 2. 26 mar. 2021. Seção 1.