A MEDIAÇÃO NA PANDEMIA
20 de julho de 2021
É cediço que atravessamos uma das crises mais graves de toda a história, a qual ultrapassa os sistemas de saúde. Para além das 543 mil vidas perdidas no Brasil até o momento atual, a pandemia da Covid-19 gerou um saldo extremamente negativo nos âmbitos social, econômico e empresarial. Com o avanço da doença, dada a rápida propagação do vírus, fez-se necessária a adoção de medidas de prevenção, dentre as quais se destacam o isolamento social e a suspensão parcial de algumas atividades empresariais, notadamente com o fechamento do comércio.
Nesse cenário de incertezas, pequenas e grandes empresas vêm sofrendo prejuízos significativos, o que faz com que temas como inadimplência, desemprego e renegociação de contratos ganhem cada vez mais relevância. Como consequência da crescente onda de descumprimento de obrigações nos tempos atuais, tem-se, ainda, o expressivo aumento do número de processos judiciais.
Os dados numéricos corroboram a crise financeira vivenciada pelas empresas em meio à pandemia. Segundo o levantamento mensal da Serasa Experian, realizado em abril de 2020 – época em que a adoção de medidas de prevenção contra o vírus se intensificou - foram registrados 120 pedidos de recuperação judicial no país, o que representa uma alta de 46,3% na comparação com o mês março do mesmo ano. Os pedidos de falência, por sua vez, somaram um total 75, o que equivale a um aumento de 25% em relação ao mês anterior. De acordo com o estudo, o setor de serviços foi o mais impactado, sendo registrado, no mês de abril de 2020, mais do que o dobro do número de solicitações de recuperação judicial constatado em março. Vale ressaltar que referido levantamento monitora somente os casos de insolvência judicializados, não incluindo, assim, acordos extrajudiciais e os inúmeros casos de encerramento das atividades por iniciativa própria.
Diante dessa situação de crise deflagrada pela pandemia da Covid-19, com vistas a controlar a explosão de litígios e de evitar um colapso do Judiciário, uma das apostas atuais tem sido a ampliação de espaços de negociação destinados à superação pré-processual de controvérsias. Em outros termos, deve-se primar pelo tratamento pré-processual do conflito, de modo a evitar a judicialização das disputas, ideia esta que foi traduzida pelo Enunciado nº 06 do Fórum Nacional da Mediação e Conciliação.
Importante salientar que, tendo em vista as diversas dificuldades enfrentadas pelos empresários, o tempo torna-se um grande aliado, quando otimizado. Isso porque, conforme bem destacado pela professora Dra. Flávia Piva Almeida Leite, no seminário online acerca do tema “Mediação e Pandemia”, realizado pela Universidade Nove de Julho, muitos negócios não comportam uma solução alongada, sem previsibilidade, de forma que nem sempre o tempo do Judiciário é compatível com o dos empresários.
Nesse diapasão, a necessidade de se buscar uma solução eficiente, menos onerosa, amparada na cooperação e boa-fé das partes, faz com que a mediação se torne a alternativa mais adequada para os conflitos empresariais, sobretudo diante do cenário pandêmico, momento em que o diálogo deve ser ainda mais valorizado.
Aliás, no tocante à relevância dos métodos consensuais de negociação em virtude da crise instaurada no país, em 08 de dezembro de 2020, defendeu o ministro Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), durante o seminário "Supremo em Ação: Diálogo entre os três poderes pela retomada econômica do Brasil": "(...) achatar a curva de demandas deve ser prioridade no Brasil. O aprimoramento de nossa legislação de insolvência empresarial e a superação da cultura do litígio são medidas esperadas em prol da administração da Justiça".
Outrossim, o ministro João Otávio Noronha também reconheceu a importância da mediação para a superação da crise atual. Segundo ele, "a saída para o Brasil é a renegociação, e será melhor se acontecer fora do Poder Judiciário. Os instrumentos de regulação não foram nem serão alterados em função da crise. Neste momento, precisamos de diálogo, e a melhor maneira de intermediar esse diálogo é a mediação".
É notório que a mediação consiste em um método alternativo de resolução de conflitos com inúmeras vantagens, principalmente para o meio empresarial. Dentre essas vantagens, tem-se a minimização dos desgastes gerados em processo judicial, além da economia de tempo e de recursos financeiros, tendo em vista a morosidade e o alto custo monetário que envolvem o trâmite processual no sistema jurídico brasileiro. Ademais, destaca-se que a mediação também possui a relevante vantagem de buscar conservar relações interpessoais entre sócios e administradores envolvidos no conflito, mantendo os padrões de governança corporativa, em função do princípio da confidencialidade, razão pela qual muitos recorrem a essa alternativa.
O avanço da tecnologia e o rompimento das barreiras geográficas, juntamente com as medidas adotadas de isolamento social, foram fatores que propiciaram o surgimento da mediação online como uma solução ao momento de crise vivenciado. Vale ressaltar que o Código de Processo Civil permite a realização da audiência de conciliação ou de mediação por meio eletrônico conforme previsto no art. 334, § 7º, assim como enuncia o art. 46 da Lei de Mediação.
A realização de sessões em plataformas on-lines, sem que seja necessária a presença física das partes envolvidas, faz com que tempo e dinheiro sejam poupados ao evitar gastos com o deslocamento. Entretanto, não há como ignorar os diversos desafios enfrentados em virtude do uso da tecnologia durante as sessões. Isso porque a mediação online inviabiliza o contato pessoal e dificulta a ampla percepção e captação dos sentimentos, das inseguranças e dos interesses subjacentes ao conflito, o que pode prejudicar o procedimento de construção do consenso. Em virtude disso, os mediadores se veem obrigados a desenvolver outras habilidades, quais sejam, capacitação técnica e familiaridade com as particularidades inerentes ao ambiente virtual.
Apesar das críticas despendidas ao crescimento da mediação online, assim como ocorre com qualquer mudança, não se pode negar que, de fato, tal medida racionaliza a prestação jurisdicional. Outrossim, o crescimento desse mecanismo atua em conformidade com a Resolução nº 345/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que autoriza a implantação do “juízo 100% digital” para que os tribunais possam executar atos processuais exclusivamente por meio eletrônico e remoto. O presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, asseverou que: “também é cediço que a pandemia do coronavírus testou a capacidade de resiliência institucional do Poder Judiciário como nunca em nossa história contemporânea. Com velocidade e senso de adaptação, conseguimos prestar jurisdição ininterruptamente com ganho de produtividade por meio da utilização da tecnologia. À guisa de exemplo, apenas o Tribunal de Justiça de São Paulo produziu, até o momento, mais de 15,4 milhões de atos processuais, com o registro de 4 milhões de acessos remotos”.
A mediação online no âmbito empresarial disparou consideravelmente no cenário pandêmico em razão da interrupção de atividades do Judiciário no início do isolamento social. Destaca-se que a Mediação Online (MOL), startup criada por duas empreendedoras, teve um crescimento de 450% do número de clientes, que disparou de sete companhias atendidas para trinta e nove, somente durante a pandemia. Os clientes da MOL são grandes empresas como Itaú, Rodobens, International Paper, Caixa Econômica Federal, Ri Happy, Mercado Livre e Viver.
Devido aos inúmeros impactos econômicos gerados pela pandemia, as empresas foram as grandes afetadas nesse cenário e, a fim de auxiliar no elevado número de demandas judiciais, os tribunais adotaram algumas medidas. O Centro Judiciário de Soluções de Conflitos Empresariais (CEJUSC - Empresarial) tem oferecido serviços e promovendo mediações, de maneira virtual, coletivas ou individuais a respeito de questões envolvendo o Direito Empresarial, especialmente no que se refere aos direitos societário e da insolvência. Essa iniciativa também oferece auxílio nas negociações de Planos de Recuperação Judicial, soluções relacionadas às disputas entre sócios dos devedores e situações que envolvem dissolução ou liquidação de sociedades empresariais.
Em razão da preocupação com a judicialização excessiva de conflitos, os Tribunais estão se mobilizando para fomentar o uso, especialmente, da mediação pré-processual. A exemplo, como forma de atenuar os impactos na atividade empresarial e oferecer uma alternativa para a solução de conflitos antes do ajuizamento da ação, o Tribunal de Justiça de São Paulo passou a oferecer duas opções de mediação pré-processual para questões empresariais na capital, sendo uma delas direcionada para atender demandas de competência das varas de Direito Empresarial e a outra voltada para demandas da área de Falências e Recuperações Judiciais. Esse apoio à renegociação de obrigações na área de Falências e RJ’s destina-se a empresários e sociedades empresárias, incluindo as individuais, de micro, pequeno e médio porte (MEI, ME e EPP), atingidos pelos efeitos oriundos da crise sanitária.
Nesse contexto, infere-se que há muitas perspectivas para a resolução de conflitos durante e após o cenário pandêmico. Devido à impossibilidade do acesso físico aos Tribunais, espera-se que o uso das plataformas online aumente de forma exponencial. Com o avanço da pandemia, a sociedade está se transformando e, paralelamente, a forma como os indivíduos trabalham, suprem as necessidades básicas e socializam também se modificou. Conclui-se, desse modo, que, diante do momento de crise, a mediação, como ferramenta para explorar oportunidades para um acordo de ganho mútuo ou até mesmo de minimização das perdas sofridas, torna-se ainda mais essencial e necessária, sobretudo no campo empresarial. Mais que nunca, é hora de buscar a resolução de conflitos de forma conjunta, de priorizar os meios consensuais e o diálogo em detrimento do litígio e de reconhecer a parte adversária como peça chave para o alcance de resultados positivos e para a superação de problemas.
Referências bibliográficas
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